data-filename="retriever" style="width: 100%;">Vivemos tempos muito estranhos. Recentemente, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, declarou em entrevista ao jornalista Pedro Bial que era gay. Em poucas horas sua declaração era uma das mais referenciadas nas redes sociais e na imprensa. Sem dúvidas que tudo o que uma pessoa pública e no exercício de um cargo público diz pode ter grande repercussão. Ainda mais quando o que é dito tem que ver com a vida privada desse agente. Curiosamente parece que muitas pessoas prestam mais atenção na vida privada dos outros que nas suas ações como figura pública. Não vejo grandes problemas nisso, afinal, cada um faz com seu tempo e com suas visões de mundo o que quer, principalmente, quando se vive em uma democracia e a liberdade de expressão é seu maior valor. No entanto, é preciso lembrar que estamos passando pela maior crise sanitária dos últimos 100 anos. Só no Brasil já faleceram mais de meio milhão de pessoas em decorrência da Covid-19. Sem falar das pessoas que tiveram a doença e estão passando por longos e dolorosos períodos de recuperação; sem citar os milhares de pessoas que perderam seus empregos, tiveram suas fontes de renda reduzidas ou simplesmente anuladas. Tem ainda as pessoas que ficaram afastadas de suas famílias por um longo período de quarentena e isolamento físico. Se existe algo que nunca poderá ser aferido é a intensidade da tristeza, do sofrimento espiritual por que passaram, e ainda estão passando, milhares de pais e avós que não podem receber a visita de filhos e netos, estando há mais de um ano sem poder lhes dar um abraço.
Pois parece que nada disso está acontecendo ou, pelo menos, para certas pessoas - e não são poucas - para quem o mais importante é o fato de alguém revelar sua orientação sexual e revelar que é gay. Alguém já imaginou se o governador viesse para a televisão e dissesse que é heterossexual? Zero impacto. Para muitos, ser hetero é "normal", já pertencer a um grupo LGBTQIA+ não é "normal". E ainda tem gente discutindo porque o governador Eduardo Leite fez essa revelação só agora. Qual o seu interesse? Está ele fazendo um jogo de marketing político? Sem falar naqueles(as) que querem se manifestar sobre o assunto da hora e, para não ficar mal na foto com seus colegas patrulhadores(as) de plantão, iniciam dizendo coisas do tipo: "..mesmo tendo divergências políticas com o governador apoio sua decisão...não votei nele mas admiro sua coragem", etc. Quanta bobagem. Outra curiosidade é o fato de tais declarações não terem uma origem do ponto de vista ideológico. Isso é bom, pois mostra que preconceito não tem cor ideológica ou partidária. Preconceito é preconceito. Ponto final.
São conhecidos e reconhecidos os gestos e palavras preconceituosas vindas de setores ditos progressistas ou de esquerda no Brasil. Alguns casos ficaram até famosos. Vou citar apenas um que ocorreu em 2000 quando um candidato a presidente do Brasil, em visita ao Rio Grande do Sul, justo à Pelotas, cidade natal do atual governador Eduardo Leite, perguntou a um importante político da cidade que o recepcionava, se aquela era a cidade que era "um polo exportador de veados para todo o Brasil". A declaração eivada de tosco preconceito foi tomada, pelos(as) apoiadores(as) do candidato a presidente, como uma brincadeira. Algo que de forma alguma maculava a liderança do grande líder popular, então candidato a presidente do Brasil. Tempos estranhos esses. Alguém virar notícia por declarar a maneira como orienta suas emoções íntimas e as formas que escolheu para amar. Não sei por que lembrei do imortal Jonh Lennon (1940-1980) quando disse certa vez que "Vivemos num mundo onde nos escondemos para fazer amor! Enquanto a violência é praticada em plena luz do dia".